A água é um elemento indispensável para a vida, para a qualidade de vida e um insumo (fator de produção) necessário para todas as atividades produtivas, estando o desenvolvimento das civilizações associado a sua disponibilidade como recurso estratégico para o desenvolvimento de diversas atividades como: agricultura, pecuária, lazer, pesca, geração de energia elétrica, abastecimento, etc (Assis, 1995, Muñoz, 2000). Quando refere-se a viabilidade econômica passa a ser denominada recurso hídrico, uma consideração da água como bem econômico (Rebouças, 1999).
A quantidade de água não salgada estimada no mundo é de 2,6% sendo que destes mais de 99% está sob a forma de gelo ou neve nos pólos ou é subterrânea, encontrando-se ainda nos organismos vivos, no solo ou sob a forma de vapor na atmosfera (TUCCI, 1997).
A água doce de fácil obtenção está nos rios e lagos e apresenta distribuição desigual nas diversas regiões do planeta. Um só lago, o Baikal, na Sib.
Observa-se que a oferta da água ocorre de forma heterogênea no ambiente podendo variar quanto à qualidade e quantidade. Sua crescente demanda e a multiplicidade de seus usos tem provocado a escassez. O consumo mundial teve um vertiginoso crescimento a partir de 1950. Nos últimos 50 anos o consumo aumentou cerca de quatro vezes, chegando a 4.130 Km3 anuais, sendo que a água pode tornar-se um dos recursos naturais com disponibilidade mais crítica no próximo século (LANNA, 1999).
Originalmente água era usada principalmente para dessedentação (para matar a sede), em usos domésticos, para criação de animais e para usos agrícolas a partir das chuvas. O aumento geral do nível de vida em todo o mundo fez com que a demanda crescesse mais rápido que a população, ampliando com isso as categorias dos usos da água. O setor agrícola é responsável pela maior demanda de água 59%, seguida pelo uso doméstico com 22% e pelo uso industrial com 19% (LANNA, 1999).
Dos mais de cinco bilhões de habitantes do planeta, pelo menos 1,3 bilhão não dispõe de água limpa. Esta população se concentra nos países pobres e em desenvolvimento. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1986 a água insalubre causava a morte de 27 mil pessoas diariamente no mundo. Vinte e seis países, a maioria localizada na África e no Oriente Médio, e até países europeus como a Holanda, são deficitários em água. Alguns países têm sido afetados em seu desenvolvimento industrial por falta de água doce. Em certas ocasiões esta escassez é a causa principal da estagnação econômica e de conflitos mundiais. (ABRÃO e SCHIO, 2000).
Nesses países a água é considerada um recurso estratégico tão importante como o petróleo e os alimentos. Para verificar em que medida um país é vulnerável a esses conflitos, é necessário avaliar as suas demandas, a origem de abastecimento, a dependência de energia hidroelétrica, sistemas de irrigação, assim como a solidez de seu sistema político e institucional.
A chamada crise da água afeta especialmente determinadas regiões do planeta, como o Norte da África, o Oriente Médio e a China. Trata-se de uma crise de efeitos locais, porém com implicações à segurança e à política regionais, que têm mais impacto nas regiões áridas e semi-áridas com grande crescimento de população (ABRÃO e SCHIO, 2000).
Três grandes rios, cujas águas são compartilhadas por numerosos povos são causa permanente de tensões. Na bacia do rio Nilo as águas concernem ao Egito, Sudão e Etiópia. Os rios Tigre e Eufrates correm através da Turquia, Iraque e Síria. Os rios Jordão com seus afluentes são fontes de instabilidade na região do Líbano, Síria, Israel e Jordânia (ABRÃO e SCHIO, 2000).
No Brasil, a existência de nove importantes bacias hidrográficas: do Rio Amazonas, do Atlântico Norte/Nordeste, dos Rios Tocantins/Araguaia, do Rio São Francisco, do Atlântico Leste, dos Rios Paraná/Paraguai, do Rio Uruguai e do Atlântico Sul/Sudeste aliada aos indicadores sobre as disponibilidades hídricas costumam alimentar a ilusão de que as medidas destinadas a racionalizar o seu uso não merecem ser tratadas como prioridades.
Os indicadores apontam que o Brasil abriga 12% das reservas hídricas da Terra e metade da água disponível na América do Sul inteira. A relação entre disponibilidade e consumo é de 0,65%, ou seja, para cada 65 litros consumidos existem 1000 litros disponíveis, porém, na prática em muitas cidades ocorre escassez devido a contaminação de nascentes e rios (LANNA, 1999).
A desigualdade da distribuição das águas no território nacional é um fator de conflito. A região amazônica possui uma das mais altas disponibilidades de água do mundo e 80% das reservas brasileiras, porém nesta região residem apenas 5% da população nacional. As maiores demandas nacionais encontram-se a milhares de quilômetros de distância, nas regiões Sul e Sudeste do país, que concentram mais de 50% da população brasileira, onde a escassez surge devido a deterioração da qualidade da água, inviabilizando a utilização de importantes mananciais, fazendo com que a oferta se torne insuficiente face às diversas demandas (AZEVEDO e BALTAR, 2000).
Os recursos hídricos são abundantes para a irrigação, porém o uso agrícola é preocupante, já que o maior consumo de água no país refere-se à agricultura, atingindo aproximadamente 60% do total. As técnicas adotadas são pouco eficientes e implicam em grandes desperdícios, mesmo nas regiões semi-áridas do Nordeste (ABRÃO e SCHIO, 2000).
Outro problema que deve ser ressaltado é a poluição dos cursos d’água que se constitui num sério problema ambiental e numa ameaça à saúde humana, podendo ainda inviabilizar o uso da água para diversas finalidades, caracterizando-se numa forma de conflito e escassez.
Uma das principais formas de poluição dos rios próximos aos centros urbanos é o lançamento de esgotos sem tratamento. Os números reforçam a gravidade do problema, uma vez que cerca de 90% do esgoto urbano do Brasil é lançado sem tratamento adequado nos cursos d’água (AZEVEDO e BALTAR, 2000).
Têm-se ainda outros problemas graves como a disposição inadequada de resíduos sólidos urbanos que tem causado ao longo dos anos a poluição das águas tanto subterrâneas quanto superficiais. O lixo de grande parte dos municípios é destinado a lixões, alterando as características fisico-químicas e biológicas das águas e conseqüentemente limitando o seu uso.
Nos municípios de intensa atividade agrícola uma preocupação freqüente é com o uso de fertilizantes químicos, que depositam grande quantidade de nitratos no solo.
Muitos dos rios brasileiros sofrem com os intensivos processo de antropização (ação do homem sobre o meio ambiente). Exemplo significativo são os extensos bancos de areia que ocorrem no rio Paraguai e a crescente degradação de seus afluentes (curso de rio que deságua em outro principal), dentre eles o Taquari, cuja nascente foi totalmente desmatada há mais de quinze anos. Esses fatores são provocados pelo desmatamento das nascentes, pela retirada das matas ciliares (das margens dos rios) e pela falta de programas de manejo e conservação do solo.
Embora as reservas hídricas brasileiras sejam significativas já se iniciou o processo de escassez da água, sendo necessária a adoção de uma série de ações para frear tal processo, dentre elas pode-se mencionar:
Adoção de boas práticas agrícolas, como: controle de erosão, diminuição do uso de pesticidas e herbicidas, uso racional de fertilizantes; Tratamento de esgotos; Economia no consumo da água; Intensificação dos sistemas de monitoramento;Recomposição da mata ciliar; Interação contínua entre setores públicos e consumidores e a Educação Ambiental.
Tais ações só surtirão efeito à medida que a sociedade se engajar no processo, sendo imprescindível a intensificação das ações em educação ambiental para transformar os dados em informações, propiciar a reflexão e mais ainda a mudança de postura frente à demanda dos recursos hídricos.
É responsabilidade de todos evitar que esse recurso se torne cada vez mais escasso, seja através do uso racional, ou da participação das políticas públicas que definem e direcionam seu uso evitando sua escassez qualitativa e quantitativa. É a contribuição de cada um em direção ao desenvolvimento sustentável. Afinal de contas, a água não é simplesmente um recurso hídrico, mas a fonte de existência da vida.
*Bióloga, especialista em Gestão Governamental pela UFMS e Mestre em Tecnologias Ambientais com ênfase em Saneamento Ambiental pela UFMS.
BIBLIOGRAFIA
ABRÃO A. L. e SCHIO, R. Planejamento Ambiental. Campo Grande: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul | Centro de Ciências Exatas e Tecnologia | Mestrado em Tecnologias Ambientais, 2000.
ASSIS, R. B. Gerenciamento de bacias hidrográficas: descentralização. In:Tauk-Tornisielo et al. Análise Ambiental: estratégias e ações. São Paulo: T.A. Queiroz | Fundação Salim Farah Maluf; Rio Claro, SP: Centro de Estudos Ambientais - UNESP, 1995. Pág. 122.
AZEVEDO, L. G. T. e BALTAR, A. M. Nota técnica sobre a atuação do banco mundial no gerenciamento de recursos hídricos no Brasil. In: MUÑOZ, H. R (org.) Interfaces da gestão de recursos hídricos: desafios da lei de águas de 1997. 2 ed. Brasília: Secretaria dos Recursos Hídricos, 2000. Pág. 58.
LANNA E. A. Planejamento Ambiental. Rio Grande do Sul: Instituto de Pesquisas Hidráulicas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1999.
MUÑOZ, H. R. Razões para um debate sobre as interfaces da gestão dos recursos hídricos no contexto da lei de águas de 1997. In: MUÑOZ, H. R (org.) Interfaces da gestão de recursos hídricos: desafios da lei de águas de 1997. 2 ed. Brasília: Secretaria dos Recursos Hídricos, 2000. Pág. 24.
REBOUÇAS, B. B., CUNHA. A., BRAGA B. (Coordenação e Organização). Águas doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação. São Paulo: Escrituras, 1999.
TUCCI, C. E. M. (org.) Hidrologia: ciência e aplicação. 2 ed. Porto Alegre: Editora da Universidade : ABRH, 1997.
"Este trabalho contou com apoio do Fundo Nacional do Meio Ambiente - Ministério do Meio Ambiente"
Data:09/03/2003
Fonte: www.redeaguape.org.br